O discurso não muda, a conversa é a mesma. O mesmo fim de dia repete-se a cada vez. O futuro não chega ao passado, e até o presente se ausenta, como quem não existe e não se dá pela falta de comparência. Ainda deve chegar para o jantar, mesmo tendo morrido há mais de um ano. Mas hoje, ao sair, o sol pôs-se de outra maneira, a luz deitou-se mais devagar, e dei por mim a vaguear pela cidade presa ao que não muda. E está tudo diferente. E não sei se mudei, se estou na mesma, nem sei se importa. Nem sei se posso dizer que me sinto diferente, que sinto diferente. Porque parece que não sinto nada. Só o vazio parece pesar mais, e os dias iguais com pores do sol que caem diferentes. Vem-me à memória uma frase “ só sei trabalhar, não sei fazer mais nada” e tem-se repetido este ecoar na minha cabeça, saltita em momentos dos dias, à superfície das horas, sem me deixar mergulhar em nada além do que tiver entre mãos. As mãos, as mãos sempre a fazer, e de repente sei que não devia ser só esse o verbo das mãos... Não quero pensar que me tornei no que nunca entendi. Não quero pensar. Queria uma sensação qualquer que me agarrasse, que me cravasse as unhas na pele até à alma. Queria o que eu fui para quem não quis viver além dos vazios, e da sensação da vida a cravar-se na pele nos interstícios dos dias, mas sem o perigo de agarrar a alma pelos colarinhos. Sem mudar os dias além da sensação deles, uma espécie de droga que se toma em horários mais ou menos certos, mas que não nos muda as horas. Queria ser para mim o que fui para outros, e não serviu a ninguém. Vagueio pela cidade, e vou fazendo curvas e mudanças de direcção, como quem muda de assunto numa conversa de tema inexistente, nunca sabemos onde nos leva, onde iremos chegar noite adentro. Vagueio pela cidade e pelas palavras que me navegam, que me mareiam das sensações ondulantes dos barcos parados. Vagueio, mas paro à minha porta, não entro. Não me encontro, e esse tem sido o meu descanso. Agradeço-o várias vezes ao dia, sem querer ter a consciência que o faço. Há mergulhos que se fazem de coragem e de olhos abertos, eu fechei os meus para dentro. Por dentro. De dentro. Não há o que ver, não há o que dizer. Só as palavras dançam, sem saberem onde a música as levará. Querem chegar ao silêncio pleno, mas esbarram no vazio. Nos dias. No trabalho que berra. E nas portas fechadas. Desta vez parece que fecharam a porta por fora. Se calhar fui eu. Só sei trabalhar, não sei fazer mais nada. Se calhar ainda bem. Mas não sabe bem. Também não sabe mal, quando os pores do sol não caem diferentes. O que é diferente muda tudo, sempre quis ser igual. E fui.
Acontece a vida acontecer
sexta-feira, 12 de abril de 2024
domingo, 31 de dezembro de 2023
311223
Hoje. É um número curioso: dois uns, dois dois e dois três. É só isso, curioso, nada mais. É também o último dia do ano, deste ano. Este ano que não me deixa saudades, mas deixa marcas profundas, e bastantes. Este ano que vai sempre fazer parte dos anos que não esquecerei. Ano de grandes perdas, de decisões pesadas, ano de riscos e de medos. Ano de assumir uma maturidade que me caiu pelos ombros e me mostrou pilares de que a vida é feita, e desfeita. Ano de me virar para dentro de outra forma, de explorar lados que nunca procurei... encontrei na meditação, e no yoga que já me acompanha há algum tempo, uma paz e uma liberdade que me ajuda.
Tenho algumas vezes tentado escolher uma frase para o ano que começa, um mote, um mantra talvez. Mas cruzei-me com esta frase há pouco e fez-me tanto sentido para resumir este ano, que em vez de escolher um começo, vou escolher um fim... que trará um qualquer começo que nem sequer quero ou consigo imaginar. Mas todo o fim é um começo, isso eu sei. " O sucesso não é definitivo, e o fracasso não é fatal, é a coragem de continuar que conta." A coragem é uma palavra espinhosa para mim. Não acredito em coragem não havendo alternativa, não havendo escolha, aí não penso que se trate de coragem. Coragem é ter escolha e escolher o menos fácil, escolher de acordo com o que está certo, o que é digno, com a verdade, independentemente do caminho a percorrer para o conseguir, não pensar no que é mais cómodo ou fácil, pelo contrário ter consciência da dificuldade, mas ainda assim escolher essa via. Ter apenas um caminho: continuar...não é coragem, é sobrevivência, é falta de qualquer alternativa. E não me digam... ah e tal mas continua, não desistiu!... não? uma coisa não implica a outra, há tanta, mas tanta gente, que continua o caminho mas já desistiu... eu muitas vezes sou essa pessoa, acho. Não gosto de pensar isso, de dar a mão à palmatória, de pensar que houve pessoas que me estragaram irremediavelmente para sempre, que a vida me foi roubando de mim, aos poucos. Mas esta frase lembra-me essa ideia, nada é definitivo, nem o que é bom e foi procurado, nem as penas que nos vão encontrando pelo caminho... nada é para sempre. Já diz o ditado (e eu adoro ditados, pois) "não há bem que sempre dure, nem mal que nunca acabe". É isto que temos de nos lembrar, não desesperar mesmo quando o desespero se nos entranha no sangue que corre o corpo todo. Há que fechar os olhos respirar fundo e nesse silêncio encontrar essa certeza, tudo faz parte, tudo é parte do tempo, da vida. Há um amanhã diferente, algures. Certo é que o futuro me deixa muito apreensiva, os próximos anos, e este 2024 que segue já a seguir, pode ser um ano de grandes mudanças, de desafios mais que incertos. Em tudo, e com reflexos na economia mundial, que chega até aqueles que acham que com o resto não têm nada a ver... Veremos, mas nada do que se avizinha será fácil, nem numa perspectiva macro, nem na minha micro perspectiva caseira, da minha vidinha dos dias. Da mãe, da filha, do irmão, do trabalho e do tempo para o resto arrancado sempre a alguma coisa. Há que agarrar os pequenos momentos plenos, há que sorrir nos interstícios dos dias, das coisas, do "tem que ser". Olhar para a minha filha, quase quase grande, que grande nunca será, será sempre uma pequenitates para mim, orgulhar-me dela em muitas coisas, desesperar-me com outras, mas sentir nela um coração no sítio certo, os princípios num lugar seguro, dá-me um sorriso de alma inteira. Olhar as minhas duas patudas, já sem o meu grisalho de quatro patas que há dias se despediu de mim de manhã quando me preparava para sair para trabalhar- mais uma perda que fica neste ano que hoje acaba, o meu grisalho teimoso e resiliente. Olhar para elas e ver a alegria, ver a brincadeira e o amor incondicional que nos têm, a vontade imensa de atenção e carinho, e os gestos ternos que se percebem, os olhares que nos querem falar sem ter palavras. Tantas, tantas vezes como nós, demais. Tudo isso tem uma beleza que toca se nos deixarmos tocar. Se nos deixarmos tocar, como em tudo. E nestas coisas deixo, e gosto, remetem-me para a minha essência, despertam-na, e fazem alguns instantes plenos, momentos meus.
Revejo alguns posts de ultimo ano que já escrevi, aqui e noutras paragens, e tenho saudades. Saudades da esperança, da vontade, do sentimento de começar de novo de alguma forma. Duma folha em branco. Concluo que já não tenho folhas em branco. Talvez seja uma coisa boa, normalmente servem de rascunho para algo. Talvez agora comece a ser altura do "algo".
Bom ano!
Que o próximo ano vos traga tudo o que precisam para serem felizes!!
segunda-feira, 25 de dezembro de 2023
Foi só quando abri a garrafa de vinho. Durante a tarde, a música ligada, os cães por ali e o meu irmão a aparecer volta e meia, e até a ajudar com as rabanadas com técnicas de engenheiro, fizeram a tarde passar bem, mesmo que muito atarefada. O cheiro a canela talvez tenha ajudado. Depois foi o doce da avó, depois já não fiz o bolo de cenoura, substituto do bolo inglês, que era feito para o meu pai, mais ninguém comia… este ano não se fez. Mas passei a tarde comigo, com os cães ,com música, com o meu irmão por bocadinhos. Ao telefone várias vezes, com gente minha, que me faz sorrir, com gente que me liga a perguntar, "viste o céu?... como está?".. não, e lá fui à janela da sala ver aquela maravilha de cores, entre uma rabanada e outra. Ninguém quer crer que esteja na cozinha a tarde toda, entre tachos e colheres de pau. Não é coisa minha, todos os meus o sabem, mas todos sabem porque o faço. Os doces de Natal sempre foi a minha mãe a fazê-los, nunca as empregadas, nunca mais ninguém, senão nós. Bem ou mal, nós. A minha mãe cedo desistiu e recolheu-se, tudo a baralha, tudo lhe faz confusão, tudo é um problema que se chora. Passei o dia de sapatilhas e leggings quentes, não me lembro de alguma vez passar um dia 24 assim, e sem sair de casa, nada. Levantei-me tarde e com uma lista de coisas para fazer... ajuda a não pensar muito, e isso é bom. Às vezes é muito bom. Depois dos doces feitos, a mesa, a loiça do armário da sala, a toalha de Natal. Depois a lenha. Não importa se a casa está quente ou fria, é Natal tem de haver lareira. Mas para isso tenho de ir buscar lenha, e fui, e acendi a lareira. O espectáculo do fogo, a dança das sombras, a intimidade daquele calor. Traz-me muitas recordações... dou por mim a pensar que talvez por isso agora a acenda pouco… depois arranjar-me, vestir-me. Parecer gente normal, e não um piloto de fogão com banda sonora da boa. Escolher uma garrafa. O mesmo que bebi o ano passado, nenhum vinho muito especial, normal, mas bom. Abrir a garrafa. Abrir a garrafa para mim... só para mim este ano, mas fiz questão de a abrir, para partilhar com quem não está, mas está neste abrir de garrafa, na lareira que tem de ser, no lugar vazio ao meu lado que continua ao meu lado, que estará sempre vazio mesmo que não estivesse. E a abrir a garrafa desatam-se as lágrimas que não esperava. Não se anunciaram, vieram só de mansinho e de rompante, sem se poderem trancar antes de soltas. A garganta a tentar dar um nó que não desate. E pôr o vinho à lareira para aquecer um bocadinho. E aceitar. Aceitar que é assim, que o meu pai já não está, que a minha mãe não sabe de si, nem de ninguém, que está, mas há muito que deixou de estar. Abraça-me a chorar quando lhe digo que sou a sua filha, que sou eu. Abraça-me, diz que não me vê há tanto tempo... e os meus irmãos onde estão? E o Papá? Demora muito a chegar? E o vinho aquece um pouco e depois sirvo-o num copo que acabo sozinha, depois de tudo, à lareira, numa paz que já só consigo ter sozinha. Sozinha com todos os que já perdi, duma forma, ou doutra. E aceitamos. E bebemos o último gole e vamos dormir. Fechamos a luz de fora, e tentamos apagar a de dentro. Amanhã, ou seja hoje, há mais coisas para fazer. Há que meter lenha na fogueira dos dias, quer esteja calor ou frio.
domingo, 17 de dezembro de 2023
Fui procurar uma imagem que coubesse aqui e neste dia, bati os olhos nestas linhas, e sim faz-me todo o sentido, mesmo que possa parecer pouco clara a relação entre o texto e o poema (guardei a imagem mas não tenho a autoria do poema, se alguém souber por favor avise-me, não gosto de não dar os devidos créditos). O texto sussurra intimidade, a que me forra momentos, e uma urgência de vida, de começos, de beleza, que se poderia assemelhar à urgência do desabrochar dum botão de rosa, que em nada parece ter pressa para a perfeição. Faz-me sentido, e isso basta.
terça-feira, 7 de novembro de 2023
[foto @peterwyss]
Bem sei que dizem que é novembro. Mas a mim já me sabe a dezembro. Não sei porquê, talvez os enfeites precoces de natal que já não suporto e que dantes gostava tanto, ou o frio ter entrado assim de rompante, sem se fazer anunciar. Sem ficar à porta uns tempos enquanto nos habituamos ao empalidecer do sol como dum doce que queremos poupar, mas acaba. Gosto do inverno, mas a minha estação é o outono, é aí que me sinto mais em casa, e que mais me apetece ficar em casa, comigo e gozar as primeiras chuvas como beijos lentos que se saboreiam devagar e repetidamente. As cores para ir vendo pela janela ou para estalar debaixo dos pés, aqueles tons que aquecem o espírito e puxam sorrisos, enquanto o nariz se começa habituar a gelar devagarinho. A lareira passa a ser um sonho que podemos viver e o chá o melhor companheiro para um bom filme ou livro. É a estação da melancolia, e alguns dizem-no como se fosse mau. Como se alguma vez pudesse ser má a doçura da meia luz que nunca fere, ou a ternura das cores quentes. O cheiro da primeira terra molhada. Eu devo ser feita de outono e a estação está nítidamente em extinção. Não sei que pense disso. Não sei.
sábado, 28 de outubro de 2023
As costuras já não esgaçam assim, já nada transborda, a força das coisas antigas começa a ser, sinto-a conscientemente antiga, quase suave, quase. Dou por mim dentro do carro, a acabar um telefonema, e a lembrar-me que à porta desta padaria ou pastelaria ou o que for, anos atrás estava eu naquela mesa, que parece estar na montra, prefere-se aquela porque lá dentro tem a luz toda e vista para fora. De fora, parece que se está na mesa da montra, mas de dentro não há montra, há rua. São perspectivas, é bom que haja muitas e diferentes. Eu estava lá, numa tarde de sábado ou domingo, não sei precisar, e ainda bem, quando poisam as duas tostas que encomendámos, mas chegam quando já só eu estava sentada naquela mesa. E olhava para fora, para a cena que se passava lá fora enquanto uma das tostas arrefecia, ali deixada e ignorada. Pedida, mas largada. Comi a minha quente, matou a fome. A outra, já fria e intocada, deixada na mesa matou muitas outras coisas. A cena lá fora acabou, sairam vários carros. As vozes deixaram de se ouvir. Eu tomei o café já com o espaço la fora apenas a ser outono e luz e nuvens. Era outono, acho. Para mim era outono. Com esta luz que parece meio adormecida, mas que acorda coisas em nós para adormecer outras que às vezes gritam. Paguei o que se consumiu e o que ficou por consumir. Peguei no carro para voltar a uma casa que nunca encontrei. Chamaram-me casa algumas vezes, nunca chamei casa a ninguém, que me lembre. Casa é o sítio onde podemos sempre regressar e despirmos o mundo à porta, onde nos sentimos seguros e livres ao mesmo tempo. Nunca senti ter a segurança dessa morada em ninguém. Mas cheguei onde moro, depois de muitas voltas à cidade e telefonemas e desculpas. Hoje estou aqui à porta e recordo. Mas já não me transborda a dor e a raiva, a incompreensão de tudo, as costuras da ferida já não rebentam, nem sequer esgaçam. As costuras já não esgaçam assim.
Vou comprar pão e vou para casa. Agora vou para casa. Fechar a porta por dentro é tão bom.
sexta-feira, 29 de setembro de 2023
Perfeito.
Quero muito, mas não sei se posso, ou encontro aquele sítio que me leva os olhos e a alma para outras paragens, ou se a vida se mete no meio da vida que quero, que me apetece, que preciso. Falta-me a distância para ter o tempo perto e a solidão para ter vida dentro. Parece que já não sinto nada. Só sono. Sono tenho.
terça-feira, 26 de setembro de 2023
sexta-feira, 8 de setembro de 2023
quinta-feira, 10 de agosto de 2023
Na cozinha com duas cadeiras a fazer de cama, uma almofada na parede para encostar a cabeça, conto respirações de luz apagada, abro os olhos quando por um bocado não oiço nada… o meu coração pára, talvez também ele para tentar escutar melhor. Depois volta a respiração curta e quase em esforço, ainda que menos do que aquele que ouvi e me fez fazer de duas cadeiras uma cama. Há duas horas contei 65 respirações por minuto, os batimentos cardíacos desisti porque eram de tal forma confusos acelerados e fortes que desisti, antes que com o pânico quem tivesse um ataque fosse eu. Agora conto entre 35 e 40 depende. Parece-me que a este ponto depende do sonho que o grisalho cá de casa está a ter. Eu por mim estou num pesadelo há horas… desde que o fui buscar ao hospital dos peludos. Que estava tudo bem, fora de perigo, dois dias depois de entrar por ali a dentro com ele por um fio pela minha estupidez. Não vi na véspera que temperaturas iam estar; os dias de muito calor tinha ouvido nas notícias eram no fim‑de‑semana, depois começavam a baixar. Deixei muita água e deixei-o a sombra depois de lhe dar de comer. Seguiu-se um dia de trabalho, fora daqui como sempre nos dias que correm, a uma hora daqui, quase. E a caminho, atrasada, para não variar, fico a saber que esperam temperaturas de 40 graus… deu-me um aperto, mas achei que estando à sombra, num sítio coberto e com bastante água não haveria problema grave. Estou sozinha, filha de férias longe, irmão de férias mais longe ainda, a senhora que vai fazer a limpeza de férias. E eu a quase uma hora. Liguei para quem estava no prédio para assegurar que ainda havia água nas bacias, e que o moço estava à sombra. Sim senhor a tudo, fiquei mais descansada, confesso. Quando chego a casa a correr escadas acima abro a porta para o pátio de trás e vejo a quase morte a ofegar, os olhos vidrados quase ausentes, não se mexia, reagiu à minha voz pareceu-me. Corri a buscar a bacia com água deitei-lhe um pouco no focinho, fui buscar uma taca pequena e enfiei-lhe água pela goela abaixo. Não se mexia, e arfava como quem foge à frente da morte com ela quase nos calcanhares. Ligo para as urgências, o que faço? Trazê-lo? Ele n se mexe… mas tem de ser, não há outra maneira respondem-me. Ok, nem que o carregue as costas. E foi, não as costas mas em peso, até ao abençoado elevador que me levaria à garagem. É preciso a chave para o elevador ir até à garagem. Está no chaveiro, com a chave de casa, que na confusão... ficou em casa, do outro lado da porta fechada… ia morrendo eu. Lembrei-me que desde que estou sozinha tenho uma suplente guardada, porque sei que a minha cabeça é tonta e que um dia qualquer isto podia acontecer. Claro que nunca imaginei que estivesse numa tal emergência. Corro, literalmente, subo desço, volto. Finalmente o elevador tem como descer até à garagem. Abro o portão, o carro ficou lá fora ao sol. Domingo esqueci-me de o por na garagem. Se houvesse um Euromilhões ao contrário eu ganhava se jogasse. Certinho direitinho, não há outra hipótese. Pego no bicho em peso, ponho-o aos pés do lugar do morto e rosno com este pensamento. Fecho a porta dou a volta ao carro a correr, tudo sempre a correr, desvairada. Ligo o carro, o ar condicionado no máximo e só para os pés. Não sei como não atropelei ninguém, ou não me desgracei em modo automotor, acho que cheguei ao veterinário em minuto e meio, e entro por la com o cão quase debaixo do braço, só que ele não é do tamanho de um porta chaves… vai directo para debaixo de água. Termómetro, acima de 40 graus. Olha para mim como quem grita, lá dum sítio fundo e de voz sumida. Passam 5 minutos, talvez menos, talvez mais, sei lá. Termómetro. Desceu mais de meio grau. Mais água, álcool porque (aprendi) quando evapora com a água dissipa o calor do corpo. Mais chuveirada no pelo, até que chega à temperatura normal. Eu não falo, não digo nada, olho, oiço, tento pensar se será possível que aquele moço de 14 anos e uns trocos ultrapasse aquilo. Começa a beber água do chão do sítio onde estão a molha-lo, começa a estar presente na cena, a parecer até o quanto lhe está a saber bem a água, começa a sentir-se melhor. Começa a sentir, parece. Já respira devagar. Mais devagar que agora, parece-me, o meu coração dá-se conta que bate, já me sinto respirar. Talvez. Só talvez. Mas reagiu e pode ser que… talvez. Mandam-me para casa e vai lá ficar para o dia seguinte, a soro e análises. As próximas 24 horas são críticas. No dia seguinte o medo das notícias, ligo, nada, depois ligam-me. As análises podiam estar pior face ao episódio de calor e idade. Tem de se repetir ao fim da manhã. E depois de feitas acusaram teimosia extrema, evoluíam positivamente. Tinha-o apanhado e trazido a tempo. Mas ainda não saiu da zona de perigo. E eu não saí de certeza, digo que é melhor ficar mais um dia. Tenho medo de o levar para casa, pesquisei no Mr Google e os três, quatro dias podem revelar consequências que as primeiras 24 horas podem ocultar. Fica mais um dia internado, mas vou ve-lo ao fim do dia. Está vivaço, levanta-se com alguma genica, bebe água e come com vontade. O meu coração respira de alívio, a culpa larga o lastro de uns tantos quilos… "foi uma sorte, eu estava céptico- dizia o médico -, e a olvido branca, nem falava, mas chegou cá em tempo recorde e devemos ter feito tudo bem, porque se amanhã continuar assim ,está fora de perigo" não há indicadores que levem a pensar diferente. À tarde liga-me. Ele está bem, e tem alta. Hoje. Há bocado ao fim do dia, mas quer fazer um exame ao coração. Continua com respiração acelerada e ofegante, já não havendo razões para isso... e tem de haver uma razão. Fez o exame e descobriu, tem o coração grande demais - brinco e digo, isso eu já sabia, mas não sei se me entenderam - e continua, ocupa quase a caixa torácica toda, não deixa espaço para os pulmões trabalharem normalmente, e está já a pressionar a traqueia... pois, quem tem o coração grande demais, respira mal muitas vezes, como quem tem um peso no peito, sempre a pressionar. Também já sabia disso, penso para mim, mas não digo, calo. Não me entendem, mais vale o silêncio. E fui buscá-lo e achei que não estava espevitado como ontem. Já em casa acho-o cansado, prostrado, derrotado e quase em esforço para respirar. Sinto-o quente, ponho uma toalha molhada no corpo passo no focinho e orelhas. Não melhora, passado um tempo acalma um pouco. Não estou descansada. Vou buscar as mantas para ficar com o rabo menos quadrado nas cadeiras a fazer de cama. Fecho as luzes. Ponho-me a contar respirações e as horas de sono que não vou ter, mas não consigo sair daqui. Não que faça alguma coisa, não faço, porque não sei o que fazer, senão esperar pela manhã para ligar outra vez. Dizer que alguma coisa não está bem. Ajudem-me. Ajudem-no. Que eu contar respirações por minuto não ajuda a coisa nenhuma, mas não sei que mais fazer para que o coração bata com jeito e não em modo descompensado e sem regras. Tenho sono e uma reunião às 10. E um irmão que tem direito a ainda ter cão quando regressar, a não se sentir culpado por ter ido três semanas de férias quando precisava de três meses, porque quem deixou cá a tratar do cão, do limoeiro, do jardim, do correio, do resto da canzoada e da papelada não conseguiu fazer as coisas bem, com jeito. É certo que o cão tem o coração grande, agora atestado com radiografia cheia de razões, mas podia ter evitado o calor, deixava-o dentro da cozinha, ainda que não evitasse lavar a cozinha todos os fins de dia. E agora conto respirações e rezo para que nos próximos dias tenha razões para ter de lavar a cozinha todos os dias quando chegar ao fim de um dia de trabalho. 43 respirações neste minuto e três sustos.
(E não vou reler não me apetece, deve estar cheio de gralhas, paciência, também eu)
sábado, 5 de agosto de 2023
domingo, 9 de julho de 2023
Há uma brisa quente que nos sopra os cabelos e a pele, que faz as árvores assobiarem músicas lá delas. A pintarolas de quatro patas vê uma mosca, ou algo voador, que eu não vejo, nem oiço. Uma andorinha cruza o céu azul, imaculado, não há nuvens a esborratar o céu. Aparecem mais três, em voos redondos, sem poisar ou abrandar, sempre à volta da árvore em frente à minha varanda. Sempre que aqui venho ocupa-me os olhos, mas raramente a olho. Provavelmente ela observa-me a cada vez, sabe-me melhor que eu a ela, já terá visto tanta coisa... e então reparo, há ramos que ainda se enfeitam de flores duma cor que não sei se tem nome, mas tem lugar. Ali. Já o pinheiro do vizinho sofreu uma qualquer frustração e baixou-lhe a crista, curvou-se a alguma evidência. Acontece a todos. Sento-me aqui e vejo como é difícil ver coisas novas nas coisas que envelhecem connosco os dias.
sábado, 3 de junho de 2023
What are your top 7 rules of life?
1. Everything you say should be true but not everything true should be said.
2. Just because a decision hurts, doesn’t mean it’s wrong.
3. The path of inner peace begins with 3 words: not my problem.
4. Normality is a paved road: It’s comfortable to walk but no flowers grow.
5. Never carry old feelings into new experiences.
6. The more you like yourself, the less you’ll need others to.
segunda-feira, 29 de maio de 2023
Nessa complexidade simples de não haver como tocá-la sem dançar, nem dançá-la sem a tocar.